terça-feira, 9 de julho de 2019

Cinema em poucas linhas #1 (contém spoilers)

Feriado prolongado, frio, cama, filmes e pipoca. Algumas breves linhas acerca dos filmes desta temporada doméstica de cinema.

Duas Rainhas (Mary Queen of Scots)
Está lá mais um título nacional infeliz, pois o filme é todo de Mary Stuart, rainha da Escócia. Mas a interpretação de Margot Robbie me chamou mais a atenção - a recriação de época é o espetáculo aqui, na abordagem de um estrato interessantíssimo da história das Ilhas Britânicas. Contudo, Mary Stuart é a protagonista, e como tal, canonizada por um roteiro que se esforça por dar-lhe uma nobreza moral, onde antes houve apenas jogo político. Comparado a Elizabeth, onde a monarca inglesa foi interpretada por Cate Blanchett, esse filme é uma abordagem inferior do período, e da história que busca retratar. Aliás, as primas jamais se encontraram em vida, sendo este acontecimento uma licença poética do filme.

Hereditário (Hereditary)
Filmes de terror me fazem rir, principalmente os que abordam Espíritos - e este é o caso aqui. Mas não veio o riso, apenas o aborrecimento. Toni Collette é uma escolha e um fan service por si só, afinal, seu primeiro papel de destaque no cinema foi como a mãe de um menino que via Espíritos (O Sexto Sentido). A escalação de Gabriel Byrne vai pelo mesmo caminho, já que em Estigmata ele teve de lidar com o capiroto, que na verdade era o Espírito de um padre. A mãe da personagem de Collette começa o filme morta, e lá pelo final descobre-se que a velha era uma evocadora de demônios, que pertencia a uma seita de adoradores do Diabo que resolvem evocar Paimon, um dos reis do Inferno. Como a família vai morrendo ao longo do filme, sobra apenas o garoto Peter, o casulo de carne pelo qual o monarca das profundezas veio manifestar-se na Terra. Pode-se elogiar e ver qualidades positivas na condução deste enredo, mas apenas serviu para me aborrecer.

Christopher Robin-Um Reencontro Inesquecível (Christopher Robin)
Quer começar um filme já sabendo o seu final? Este é o caso aqui. Faz recordar a Hook-A Volta do Capitão Gancho, onde Peter Pan cresce, torna-se um marido e pai ausente que só trabalha, e lá pelas tantas é arrastado ao seu passado para reaver sua essência. Mas, usar os personagens do universo do Ursinho Pooh criam um diferencial de sensibilidade que não havia em Hook, e não há em outros exemplares da mesma história, como O Mentiroso, Um Herói de Brinquedo, Meu Papai é Noel, etc. O filme é tão doce quanto o mel que Pooh consome, e essa glicose toda acerta em cheio o coração do espectador. Principalmente se as personagens fizeram parte da infância deste, como é meu caso. Adorável e fofo, não há como poupar esses adjetivos.

Shazam! (Shazam!)
Expectativa zero pra esse filme, e não é que me divertiu!?! Quem leu muito Shazam O Poder da Esperança, e O Reino do Amanhã, talvez esperasse uma abordagem mais séria do antes conhecido Capitão Marvel. Contudo, quem assim o fez desconhece ou não quis reconhecer que a personagem surgiu como uma imitação do Superman, e uma imitação bastante cartunesca e infantil. Suas histórias clássicas fizeram tremendo sucesso com a criançada por conta deste aspecto meio boboca da personagem, suas histórias meio panacas e uma galeria de vilões tão bizarra quanto a de Dick Tracy e Batman juntos! Esperar que um adolescente guindado a condição de adulto com superpoderes gerasse um filme sério é plausível, mas não seria Shazam. E Shazam já tem suas qualidades apenas por que sua protagonista não usa de seus poderes para dominar o mundo, preferindo descolar um dinheiro fácil pra comprar refrigerantes e chicletes. Shazam acaba sendo o filme mais à Marvel que a DC conseguiu fazer - e não é difícil ver ecos de Peter Parker em Billy Batson e sua contraparte adulta e atrapalhada. Gostei.

A Mula (The Mule)
Clint Eastwood possui hoje 89 anos de idade, e é uma lenda viva do cinema que não apenas continua atuando, como dirige seus próprios filmes. Desde há algumas décadas, suas qualidades como cineasta foram reconhecidas, e o sujeito que na década de 1970 não tinha mais que duas linhas de diálogo e só fazia atirar, tornou-se um talento monumental. A Mula é um de seus muitos filmes-testamento, onde questões de valores estão presentes nas entrelinhas do diálogo e nas ações das personagens. Earl Stone é representado magneticamente por Eastwood que, desprovido de sua persona bronca e ríspida, atua com a leveza de quem já tem muita quilometragem para se dar ao trabalho de provar algo a quem quer que seja. Em meio a uma série de pequenas crises cotidianas, a personagem é aliciado para transportar drogas de um ponto a outro da América em sua caminhonete, pensando no dinheiro fácil e abundante que dará resolução a tudo; o que de fato ocorre, até que os problemas comecem. É um filme cujo final se antevê, mas que o prazer está em acompanhar a trajetória da protagonista numa atividade arriscada, deixando o espectador na ponta da poltrona.

Bird box (Bird box)
A Netflix já se estabeleceu como uma produtora alternativa para cineastas que não encontram nos grandes estúdios a boa vontade necessária para com seus projetos. Bird box é um desses casos. Contudo, se o carisma de Sandra Bullock não é suficiente para carregar o filme nas costas - o é em parte - a tensão subsequente a um dos fins de mundo mais criativos que vi, alimenta a narrativa até sua conclusão não muito inspirada, mas ao mesmo tempo perfeita e única até então no andamento da narrativa do filme. Criaturas de origem desconhecida surgem na planeta, e a mera visão das mesmas causa loucura e auto-destruição fatal. Em meio ao suicídio em massa que se segue, a personagem de Sandra se vê grávida e reclusa numa casa com várias outras figuras que foram pegas no calor dos acontecimentos. Daí pro final, morre quase todo mundo e ela se vê tendo de conduzir duas crianças por um rio bravio até um suposto santuário. Claro, algumas incongruências lógicas saltam aos olhos - se fica claro, lá pelas tantas, que os pássaros se agitam diante da presença próxima das criaturas, por que não ficar sem as vendas quando os bichinhos estão calmos? As vendas acabam sendo exaustivamente usadas como acessório de cena, contradizendo a lógica das ações humanas diante de uma perspectiva destas. De resto, é um filme genérico de fim do mundo, que se abrilhanta pela presença estelar de Sandra.

Capitã Marvel (Captain Marvel)
A agenda atual é empoderar minorias - apenas esqueceram de alertar as mulheres que elas são mais numerosas que os homens. No rastro de Mulher-Maravilha e Pantera Negra, Carol Danvers chega aos cinemas anabolizada para enfrentar Thanos em Vingadores Ultimato (o que de fato não ocorre como esperado, afinal). Mas quem se importa? O filme é superestimado pelos fãs do UCM, assim como Homem-Formiga ou Dr. Estranho, ou ainda Pantera Negra, mas acaba sendo ancorado pela expectativa de ver a protagonista em pleno uso de seus poderes (ilustrando seu empoderamento), o que decepciona uma enormidade. Não apenas pela inexperiência da personagem em usar destes, como pelo modo que são representados pelos efeitos especiais. Carol Danvers, no mais, é uma personagem endurecida a quem as emoções e suas demonstrações são repreendidas, como se estas fossem a chave para sua essência e para a essência feminina, que pode trazer a paz mundial, a cura do câncer e a extinção de todo o mal da Terra. Bem, não é! Mas, o fato de ser um ator a reprimi-la, é a alegoria mais clara do feminismo engajado do filme. Não me desagrada que um filme tenha suas bandeiras, desde que seja bem conduzido e tenha uma boa história para contar, o que não é o caso aqui. Capitã Marvel poderia ter sido muito melhor. Porém, parece contentar-se em ser mais um degrau na longa escada do UCM em direção ao sucesso.

Nenhum comentário: