sábado, 2 de fevereiro de 2019

21 HQs para se levar numa ilha deserta (e 1 que nem pra levar ao banheiro)

Acaso um dia fosse preciso ir a uma ilha isolada, talvez deserta, para fugir de uma praga, de um apocalipse zumbi, ou das próximas eleições presidenciais, que HQs se levaria na mala? Estas são as minhas escolhas.

1 - A Espada Selvagem de Conan


A experiência mais imersiva que já experimentei na leitura de uma HQ - e anos mais tarde descubro que a editora Abril, então encarregada pela publicação deste material da Marvel no Brasil, o teria adulterado. De que maneira? Não sei e será preciso algum esforço para medir o mérito ou demérito da editora ao tratar desta personagem. Mas a experiência que ficou não é menos legítima, e mesmo anos depois ainda é uma leitura muito acima da média do que se publicou e publica hoje. A personagem pulp de Robert E. Howard é um dos pilares do meu mundo pop.

2 - Druuna

HQs europeias são, por vezes, sinônimo de erotismo e ficção-científica, ou os dois ao mesmo tempo. E é este o caso de Druuna. Paolo Eleuteri Serpieri cria histórias oníricas envolvendo doença, sexo e um futuro distópico - e sua protagonista de formas generosas é o fio condutor da trama, por vezes sendo quase tão inútil para o que ocorre quanto foi Max em Estrada da Fúria, ou Indiana Jones em Os Caçadores da Arca Perdida. Ainda assim, não há como desviar os olhos dela. A arte de Serpieri transforma a HQ num exercício de contemplação, página após outra.

3 - Watchmen


Subverter a clássica narrativa dos comics de super-heróis com poesia, elegância e verborragia, além de uma trama cujo domínio Alan Moore demonstra sem medo de parecer um deus - há tantas camadas nesta HQ que será preciso mais de uma leitura para apreciar todas as trucagens narrativas, todo o trabalho da arte de Dave Gibbons para dar vida ao que ia pela cabeça do mago inglês. Tornou-se um clássico, e impactou-me muito mais que alguns similares que foram lançados na mesma época. O legado de Watchmen ecoa em tudo quanto foi feito posteriormente.

4 - Superman Paz na Terra


Super-heróis costumam enfrentar de batedores de carteira a ameaças cósmicas colossais, mas aí a lidar com problemas reais como fome, líderes ditatoriais, tratados políticos de toda sorte, escassez de recursos naturais e que tais, vai uma diferença fundamental, pela qual se conclui as razões para a inexistência de tais salvadores da pátria. Este abismo entre a realidade e o puro escapismo das HQs resultou nesta HQ belíssima, que não apenas exalta a figura do Super, mas principalmente a do Homem que sustenta o S no peito. Alex Ross em seu melhor.

5 - Ranxerox


Sexo, drogas e rock'n'roll - havia visto alguns capítulos dispersos de Ranxerox na extinta Heavy Metal, sem que houvesse me causado senão algum estranhamento e repúdio, até que fui, anos mais tarde, presenteado com uma edição gigante da personagem, reunindo todas as suas histórias - e que pancada. Se outras HQs europeias tem por tradição a ficção-científica em todas as suas possíveis vertentes, Ranxerox as explora num enrendo que poderia se passar tranquilamente num subúrbio do filme Blade Runner. A protagonista é um androide delituoso, que namora uma ninfomaníaca viciada de 12 anos. Subversivo é pouco, e a arte de Liberatore é um espetáculo.

6 - Grandes Astros Superman


Editores são jornalistas, e jornalistas não gostam de ter suas atuações questionadas - o corporativismo próprio a profissão os impede de reconhecer os próprios erros; e não há mais erros que aqueles cometidos por editores de HQs. E Superman é prova disto. Sua morte nos anos 1990 é de um mercantilismo atroz - esta e outras histórias e fases que foram incorporadas ao cânone da personagem são magistral (e positivamente) exploradas em Grandes Astros Superman. É uma homenagem ao primeiro e maior dos super-heróis.

7 - O Reino do Amanhã


O que teria sido de Watchmen se Alan Moore houvesse podido usar das grandes personagens da DC Comics? O Reino do Amanhã parece ser a melhor resposta - num futuro não tão distante, os velhos heróis estão isolados, semi-aposentados, relegados ao ostracismo. Em seu lugar, outros heróis se digladiam irresponsavelmente, destruindo vidas e propriedades sem dar por isso. Cabe ao Superman sair de deu exílio auto-imposto para mostrar o significado de ser um super-herói. Mas seu retorno é apenas o preságio de grandes catástrofes, e talvez, do fim do mundo.

8 - Marvels


O nível de Marvels era inédito quando de seu lançamento. Com alguma sofreguidão adquiri as quatro edições originalmente lançadas pela Abril, já que o pessoal da banca de jornais, àquele tempo, interpretava o que saia da minha boca como se grego fosse. Mais tarde adquiri dois encadernados desta HQ, tamanho foi seu impacto em mim. Pelos olhos de um jornalista fotográfico, os principais acontecimentos do universo Marvel se desenrolam, mesclando-se, às vezes e definitivamente a sua própria história. Alex Ross no frescor da juventude.

9 - Akira


Mangás, as HQs japonesas, confesso, nunca me despertaram grande interesse - senão algumas obras bissextas, e Akira está no topo da minha lista. Encontrei um exemplar numa banca ao tempo em que Akira fora editado pela Editora Globo. Mais tarde, em 2015, encontrei todos os exemplares sendo vendidos em um sebo dentro da FIQ em Belo Horizonte - não tinha dinheiro para tanto. Mas, graças a pirataria da Internet, li toda a história em scans que algum abnegado disponibilizou. Admiração desde o animé, tornou-se paixão diante da leitura do mangá. Num futuro pós-gerra, Tóquio se tornou Neo-Tóquio, e em meio a guerras de gangues, os experimentos ocultos do governo trazem a tona antigos demônios, que podem resultar em mais guerra e destruição. Otomo é gênio - seu traço é maravilhoso.

10 - Asterios Polyp


Asterios Polyp é uma lição de como contar uma história por intermédio dos quadrinhos. David Mazzucchelli trabalha questões acessórias e detalhes aparentemente diminutos para narrar a história de uma separação - pode parecer simples, mas é intrincado, envolvente e magistralmente bem contada. Desde a escolha das cores, à diagramação, o modo como cada personagem é representado, nada está ali ao acaso ou gratuitamente. E em meio a tanto esmero, poder-se-ia imaginar que faltaria ao roteiro, e ao desenvolvimento das personagens - mas nada disto. Ao contrário: a trajetória de Asterios é humana e bem desenvolvida. Mazzucchelli em seu máximo.

11 - Arma X


Wolverine é o X-Men preferido de 10 entre 9 fãs dos mutantes, mas minha admiração por ele foi caindo na medida em que sua popularidade foi aumentando - isto porque não gosto de modinha? De modo algum, mas por que sua popularização mudou a personagem. Até mesmo uma história de origem (bem medíocre) deram a ele. Fato que Arma X não é apenas uma das últimas boas histórias do carcaju, mas um monumento a narrativa, com quase nenhum balão, revelando na arte magistral de Barry Windsor-Smith o processo pelo qual o adamantium foi inserido em seus ossos.

12 - Batman O Cavaleiro das Trevas


Batman está aposentado, velho e fora de forma - mas o mundo está um caos. Seu retorno é triunfante, violento e a mais proeminente iniciativa de fazê-lo voltar as suas origens sombrias, fazendo esquecer a série de TV dos anos 1960. Batman enfrenta meio mundo para impor seu senso de justiça a caótica Gotham, tendo mesmo de lutar com o Superman. Antevendo o tempo de sua publicação é de fato um clássico, mas não me recordo de haver ficado especialmente impressionado quando da primeira leitura.

13 - Maus


A única HQ a haver recebido um prêmio Pulitzer, Maus é a história da relação de Art Spiegelman com seus pais, tanto quanto a destes frente aos horrores da II Grande Guerra Mundial, em especial seu pai Vladek, judeu de origem polonesa. Um tocante relato que é ao mesmo tempo um romance de reminiscencias, e uma narrativa acerca das consequências do Holocausto numa família judia.

14 - V de Vingança


Alan Moore cria uma Inglaterra futurista e ditatorial, que ecoa seu passado histórico, tanto quanto trata da vingança de um misterioso mascarado, com o fim de derrubar o regime. A mascara de Guy Fawkes, uma peça de fantasia usada tradicionalmente na Inglaterra na comemoração da Conspiração da Pólvora, todo dia 5 de novembro, ganhou um novo significado nesta obra de Moore. Com a adaptação cinematográfica, a máscara ganhou as ruas, e até o presente dia é usada como forma de contestação por manifestantes em protestos mundo afora. A obra é bastante extensa, e com múltiplas linhas narrativas que convergem para o final apoteótico.

15 - Batman A Piada Mortal


O Coringa fora sempre mais um vilão na extensa galeria de figuras bizarras que sempre abalaram a paz da sombria Gotham City - mas, foi a partir de obras como esta que a personagem ganhou o protagonismo como nêmesis definitivo do homem-morcego. A obra foi lançada um ano antes da adaptação de Batman por Tim Burton para o cinema, e alguns elementos da origem do Coringa foram aproveitados aí. Moore constrói, tijolo a tijolo a vida de um pobre coitado, comediante falido e fracassado que se vê as voltas com o crime para ganhar o sustento de sua família - levado ao paroxismo da própria sanidade, o Coringa nasce como a expressão da mais insana maldade.

16 - Los Três Amigos


Guardo recortes de Los Três Amigos de quando eram publicados no extinto Folhateen, caderno dedicado a adolescentes de A Folha de São Paulo. E se acaso os três papas da HQ nacional foram acometidos pelo peso do tempo e dos acontecimentos (Angeli tem depressão, Larte virou mulher e Glauco foi assassinado), o legado que deixaram, individualmente ou em grupo, é um aporte para o humor mais ácido, politicamente incorreto e nonsense que já se viu. Lançado em edições especiais, ou relançamentos da extinta Chiclete com Banana, Los Três Amigos conta as desventuras cheias de barbaridades, violência, sexo,  drogas e humor das três contrapartes de seus criadores, vertidos para criminosos mexicanos, a apavorar a pequena localidade de Marisales, e seus arredores. Nem a pau considero a participação de Adão Iturrusgaria como quarto integrante do grupo.

17 - Quarteto Fantástico (principalmente a fase de John Byrne)



Li as histórias clássicas de Stan Lee e Jack Kirby do Quarteto Fantástico - conta a lenda que Lee já não queria mais lidar com quadrinhos e foi aconselhado pela esposa, antes de pedir demissão, a fazer as histórias que bem entendesse, aquelas que ele mesmo gostaria de ler. Assim nasceu o universo Marvel como conhecido hoje. E o Quarteto Fantástico é, talvez, seu pontapé inicial e maior representante. A fase de John Byrne a frente do grupo remeteu-me diretamente ao vigor do início. E a arte dele apenas torna a experiência da leitura mais impactante e prazerosa.

18 - Sandman


Sandman é uma leitura bissexta - não consegui toda as edições da série original, mas a meta ainda persiste. De todos os Perpétuos, por certo que me ombreio a imensa maioria para quem a Morte é a personagem mais querida. Neil Gaiman é o fabulista moderno por excelência e Sandman é sua maior obra em quadrinhos.

19 - Calvin e Haroldo


Desculpe Charlie Brown, mas Calvin ocupa mais lugar em mim, mesmo sendo um menininho. E um menininho bastante espirituoso e traquinas, como toda criança, aliás. A compilação de suas tiras é um material essencial, com humor fino, filosofia e lirismo poético na dose certa. Embora ladeado por um amigo imaginário, o tigre Haroldo, Calvin de fato está sozinho em grande parte de suas aventuras, o que não significa sentir solidão - e se esse é um detalhe que passa despercebido pela maioria de seus leitores, isto é em si já uma crítica de Bill Watterson, dentre as muitas que inseriu ao longo da série.

20 - The Authority


Super-heróis e o mundo real - se Superman Paz na Terra sugeriu uma possibilidade, The Authority sugere outra, mais violenta, mais visceral, e tão realista quanto. Ignorando tratados internacionais, acordos comerciais, e soberanias nacionais, o grupo de super-heróis usa de seu poder para lidar com ameaças incomuns, tanto quanto a insatisfação dos governos do mundo.

21 - Hellboy


Mike Mignola é um gênio! Seu estilo já foi classificado por Alan Moore como o encontro do expressionismo cinematográfico alemão com o estilo de desenho de Jack Kirby - e como discordar? Hellboy é seu ápice, tanto na composição das histórias que flertam grandemente com o horror cósmico de um H. P. Lovecraft, quanto na arte, que tem um chiaroscuro bastante marcado, e uma estilização tão característica que o traço é imediatamente reconhecido. Hellboy é um filhote de diabo evocado durante a II Grande Guerra Mundial por nazistas, sendo resgatado pelos aliados e criado como um humano normal. Até tornar-se agente de um obscuro bureau que investiga fenômenos paranormais e bizarrias afins. Nas mãos se outro autor, teria caído no ridículo; mas resulta em uma obra sem igual.
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Não levo nem pro banheiro...

A Pior Banda do Mundo


Aí você imagina que a banda do título faz referência a um grupo de músicos, faz, mas não apenas - trata-se de um título dúbio e auto-depreciativo, pois que o material é de origem portuguesa, e por lá os quadrinhos são conhecidos por banda desenhada. Acaba sendo um preságio - é ruim de doer. A obra é de uma demagogia atroz, pois pretende-se, a partir de uma estética pobre e uma linguagem anacrônica, ser uma crítica ácida, crua e contumaz a sociedade, seus costumes, tradições, tipos e sujeitos, instituições e ao status quo. Não há uma história, senão uma sucessão de recortes de uma realidade absurda que o leitor, de imediato compreende tratar-se de uma crítica a tudo e todos - esse leitmotiv faz a experiência de leitura ser desagradável; tive leituras mais prazerosas em bulas de remédios. E alguém pode apontar que de fato é esta a intenção do autor, mas não acho que instilar alguma náusea e muito enfado transforme em algo positivo um dedo indicador, que se propõe a disfarçar-se num espelho que deforma a realidade para denunciar-lhe os absurdos. Kafka foi muito mais feliz ao fazê-lo sem levar o leitor a sentir que perdera um tempo precioso da própria vida. Detalhe: há mais de um volume dessa HQ.