Ao
contrário do que se possa imaginar, um filme ruim não é aquele que já nasce sob
uma base instável de roteiro, produtor, diretor e orçamento – aqui se alocam os
chamados filmes B, sendo eles propositalmente ruins, ou involuntariamente
ruins; no primeiro caso se pode apontar para O Incrível Homem que Derreteu, uma
produção americana de 1977 como exemplo clássico. Já no segundo caso, Batman
& Robin é um exemplo bastante ilustrativo – aqui, se a história do astronauta
que derrete não se propõe a ir além de um filme sem maiores ambições, a quarta
aventura da dupla de super-heróis da cidade de Gotham é um horror completo,
apesar de todo o orçamento, do diretor competente, do elenco estrelado e do
compromisso de ser um filme do primeiro escalão da indústria americana de
cinema. Todavia, o produto final resulta numa obra infinitamente pior que o
horror protagonizado por um astronauta que não faz mais que derreter enquanto
mata quem lhe aparece pelo caminho – Batman & Robin é ruim porque soube
apelar diretamente a expectativa do público e entregou uma anomalia em forma
fílmica. Destarte, a lista que segue, foca em dez obras que prometeram muito,
com orçamentos gordos, roteiros supostamente bem urdidos, diretores de fama
reconhecida, elenco de estrelas muito bem remunerado, e produtores e um estúdio
de grande porte como base, e que resultaram em filmes sofríveis,
constrangedores, patéticos (sim, a lista tem foco em obras de grande apelo
nerd).
Matrix
Vendido
como ‘o Blade Runner dos anos 90’, esta obra é um acinte desde as cenas
iniciais em que efeitos visuais surgem gratuitos e redundantes – a humanidade
vive uma existência que é uma realidade virtual coletiva, enquanto os recursos
físicos de seus corpos adormecidos são as baterias que alimentam um império de
máquinas autônomas. Tal premissa esconde um niilismo acachapante no subtexto,
em que a lucidez dos poucos que despertam para a realidade nada pode influir,
ou mudar nesta. É uma parábola da existência humana pessimista e derrotista.
Alguns furos? As personagens principais são hackers habilidosos, mas não
conseguem quebrar os códigos da programação da Matrix (a tal realidade virtual
coletiva); se não podem fazê-lo, como despertaram para a realidade? Em alguns
momentos, parecem bastante capazes de burlar a programação desta, mas não
atinaram para criar um programa que torne Neo (Keanu Reeves) numa espécie de
Superman indestrutível – a possibilidade de morte uma vez conectado a Matrix é
constante, e ri alto quando isto é revelado no filme. É uma trilogia patética
que parece dar sinais de que vai voltar, já que as diretoras do projeto
original não fizeram nada de relevante depois disto.
Watchmen
A
HQ na qual se baseia é um marco, mas tê-la entregue a Zack Snyder para executar
a adaptação cinematográfica mostrou-se um grande erro – Snyder é um Homer
Simpson a quem foi dado meio bilhão de dólares para conceber uma obra
cinematográfica; seu foco não está nas tramas e no subtexto político, mas na
violência gratuita e no sexo. Apenas quem é capaz de ver somente isto em
Watchmen poderia alterar seu final de maneira a conceber o que se viu em tela;
algo que não apenas altera o texto original, como deturpa o ethos do Dr.
Manhattan e compromete os planos de Ozymandias como concebidos na HQ. Qualquer
um percebe que a culpa recaindo sobre o Dr. Manhattan resultaria em guerra
fatalmente. Mas seria pedir demais do Snyder. Depois desta obra, nenhum filme
seu mais despertou-me qualquer expectativa. Por isto, eles não estão elencados
aqui como os piores, pois já foram concebidos ruins graças ao seu diretor.
Batman & Robin
Tim
Burton é cult para alguns, mas é um diretor de carreira brilhante na juventude,
e sofrível na meia-idade. Ainda assim, os dois filmes do Batman que executou
são clássicos geracionais. Os estúdios Warner, todavia, cansaram-se do tom
soturno e chamaram Joel Schumacher, um diretor competente que poderiam controlar
com facilidade – ledo engano. Joel fez um filme até que divertido com Batman
Eternamente, mas o desastre aí já se anunciava. Revoltoso pela mão firme que o
segurava pela nuca enquanto trabalhava, o diretor mandou tudo as favas e
executou a obra mais constrangedora baseada em quadrinhos de todos os tempos. Desde
a estética, o texto e as atuações soam fora de tom, bregas e ridículas. Não à
toa consta de praticamente todas as listas de piores filmes.
Vingadores Ultimato
Vingadores
Guerra Infinita é um filme acima da média para o gênero. Mostrando pacientemente
o passo à passo do inamovível vilão Thanos em busca das joias do infinito, que
lhe darão o poder de matar a metade da vida do universo, a obra frustra os
protagonistas a todo momento; de derrota em derrota, os super-heróis da Marvel
acabam vencidos pelo Titã Louco. O filme seguinte tinha o urgente compromisso
de mostrar a refrega, a vingança, a revanche – o fez de modo patético,
atabalhoado, afoito e decepcionante. É o encerramento frustrante de um feito
único no cinema, a ligação de um universo compartilhado de filmes ao longo de
mais de uma década. O filme é tão competente em ser ruim que os diretores são
chamados a todo o instante para explicar o que se viu na tela – ainda assim,
seja pela ingenuidade do espectador, ou apenas pela máquina publicitária
funcionando a todo o vapor, tornou-se a maior bilheteria da história. Qualidade
jamais será sinônimo de quantidade.
Ghost in the Shell
A
adaptação cinematográfica dos mangás japoneses sempre esteve na pauta
hollywoodiana, mas seria preferível que não estivessem. O zeitgeist oriental é
algo incompreensível para o povo americano, e raros seriam os diretores capazes
de transpor para a linguagem cinematográfica toda a complexidade de uma obra
como Ghost in the Shell, ou Akira. Tivesse filmado frame a frame cada minuto do
anime baseado no mangá e seria uma obra-prima. Contudo, apesar da estética
interessante, que ainda assim peca em muitos aspectos, o roteiro subverte todo
o material original e entrega uma história de amor canhestra em meio a perda da
identidade quando a humanidade já não é inteiramente orgânica. Ficou mal
executado, feio e muito aquém do esperado.
Logan
Wolverine,
coitado, tem uma das piores trilogias de super-heróis do cinema, senão a pior.
Este último filme, que marca a despedida de Hugh Jackman do papel que lhe deu
fama e fortuna, não escapa a regra, apenas acentua a sina do pobre carcaju. Nos
primeiros minutos do filme, tem-se o Wolverine dos quadrinhos em cena, como
nunca visto – boca-suja, mal humorado, violento e despudorado. Era o que todo
fã de quadrinhos queria ter visto desde sempre; mas, a FOX teve de esperar por
Deadpool para apostar numa classificação mais alta para um filme de um
personagem cuja essência é violência e pavio curto. Depois disto, no restante
do filme, ele surge velho, alquebrado, cansado – morre atravessado por um toco.
A pior morte que lhe poderiam dar, deram; e os bazingueiros basbaques saíram da
sessão chorando – alguém para o mundo que eu desço no próximo ponto, por favor!
O Senhor dos Anéis
Adaptações
de obras literárias, via de regra, ficam aquém do livro – pior ainda quando a
visão dos realizadores da obra cinematográfica padece de uma tendência para o
cafona. Peter Jackson pode querer esconder-se atrás de um desenho de produção
caprichado, mas sua visão para a obra de Tolkien é brega até a alma. A relação
de Frodo e Sam leva o bromance até o limite – é quase um Brokeback Mountain na
Terra Média; pesa a não a reafirmação constante da amizade de ambos, do
compromisso que firmaram. Frodo parece o garoto criado com a avó, vítima de bullying,
cuidado pelo corpulento de cérebro pequeno Sam. E pra completar essa dupla
digna de um estudo psicanalítico, há Merry e Pippin como a contraparte hobbit
de Mussum e Zacarias. Gandalf tem sua personalidade austera, sapiencial e
imponente vertida para um galhofeiro algo fanfarrão, enquanto Gimli é um anão
de pavio curto e falastrão, tão chato que valeria mais a pena tê-lo jogado
Abismo de Helm abaixo. Aragorn é o herói relutante de personalidade insipida
enquanto o Legolas de Orlando Bloom parece ter injetado botox em toda a cara,
tamanha a dificuldade em mudar de expressão. Só o Gollum se salva. Uma obra de
contornos épicos, envolvente e cativante tornou-se uma trilogia cinematográfica
sentimentalóide e decepcionante. Faz o gosto apenas de quem não leu os livros.
A Origem
Christopher
Nolan é um diretor inconstante – ora dá ao mundo filmes brilhantes, como Grande
Truque ou Batman O Cavaleiro das Trevas, ora entrega Batman Begins e este A
Origem. Acaso o roteiro, nos dois primeiros casos, é tão coeso e bem amarrado
que leva o ritmo do filme sem dificuldade, nos dois últimos exemplos ocorre o
oposto, pois o ritmo fica comprometido com um roteiro que insiste em se
explicar demais, subestimando a inteligência do espectador. A Origem se
prometia um filme instigante, mas recai em abordar o mundo caudaloso da mente
humana – um filme que fez isto de maneira muito mais hábil foi A Morte nos
Sonhos, obra de 1984 com Dennis Quaid. Mas, Christopher Nolan quer levar o
público a uma viagem pelas diversas camadas da consciência humana, uma mais
chata que a outra, tendo como pano de fundo uma trama que é um fio de suspense
que não se sustenta, tendo como subtrama a morte da esposa do personagem de Leonardo
DiCaprio. Acaso o efeito especial de uma paisagem urbana se dobrando em si
mesma é tudo que este filme tem para mostrar, passo.
Star Wars
Quantas
vezes Star Wars foi transmitido pela Sessão da Tarde? Muito poucas! Afirmo,
porque ao longo de toda a década de oitenta e de parte da década seguinte, não
perdia uma transmissão de tal sessão vespertina de cinema. O que explica,
então, a paixão de várias gerações por um filme pouco disponível num tempo
anterior a internet, a TV paga, e ao videocassete? Vai saber – de minha parte,
a pouca repetição da obra de George Lucas não me trouxe a memória afetiva que
tenho de Curtindo a Vida Adoidado ou Superman, para ficar em apenas dois
exemplos. Destarte, não desenvolvi o fanatismo que testemunho em amigos e conhecidos
– e, a bem da verdade, pouco me interessa o mundo de Star Wars. Considero tudo
enfadonho, maniqueísta, machista e autofágico; além de ser de uma nerdice até
então inédita numa obra fílmica. Vejamos a personagem da princesa Leia, a quem
ninguém parece dar muita importância, apesar de ter sido sua iniciativa a
iniciar a trama; Han Solo desenvolve por ela um amor ginasiano, e como um
garotinho de colégio, busca chamar-lhe a atenção insultando-a enquanto se vangloria
e pavoneia seus feitos. Apenas para acentuar sua pouca importância, ela se
torna uma escrava seminua de Jabba o Hutt. Luke é o herói bisonho que acaba
tendo de se haver com uma herança paterna nebulosa (a Força e seu lado negro!
Que medo!). Darth Vader, ao fim e ao cabo não é mais que um leão de chácara
anabolizado do Imperador Palpatine – observando os fatos que o levaram de
padawan a Lord Sith, sua importância se torna ainda mais relativa. Todos os
filmes e produtos ligados a esta marca despertam-me pouco interesse – considero-os
ruins porque se propõem a ser mais do que na verdade são, apesar da importância
que queiram dar a ela.
O Iluminado
Filmes
de terror envolvendo Espíritos me fazem rir – tivesse assistido a O Iluminado
quando de seu lançamento e teria sido um marco em minha formação; não foi o
caso. Assisti esta obra baseada em livro de Stephen King apenas na vida adulta,
e depois de haver estudado com muito afinco ao Espiritismo. O filme perdeu
ainda mais de seu apelo após me casar com uma médium psicofônica e sonambúlica
– basicamente tomo café da manhã rodeado de Espíritos, e o medo que eles me
impõem é zero. Mesmo aqueles mal-intencionados que porventura resolvem invadir
meu lar desavisadamente. O problema com O Iluminado está nas escolhas que
Stanley Kubrick fez para contar a história de Jack Torrance – para quem
desconhece a obra original, o filme pouco explica, deixando tudo nebuloso em
demasia; para quem leu o livro, a adaptação é inferior; para quem leu o livro e
ainda é espírita, o filme soa anacrônico e kitsch, assim como O Exorcista. Que
fique claro, contudo, que a produção é caprichada, a direção é cuidadosa e
cirúrgica... o conteúdo, contudo, deixa a desejar. Danny Torrance e seu pai são
médiuns cuja mediunidade estouvada resultou em tudo que se viu ao longo do
filme – infelizmente Jack ficou louco por conta disso. É um drama e não um
filme de terror.