sábado, 13 de julho de 2019

Cinema em poucas linhas #3 (contém spoilers)

Bumblebee (Bumblebee)
Minha expectativa quanto ao primeiro filme dos Transformers era menos que zero, mas até que se mostrou uma experiência agradável. Dentre os brinquedos e suas correspondentes animações dos anos 1980, sempre fui mais atraído por He-Man e os Mestres do Universo, ou mesmo por Thundercats. A continuação descreveu uma curva descendente sem volta, e Bumblebee me parece uma inocente e anódica exceção, um respiro algo salutar num amontoado de filmes asfixiantes de tão ruins. Vale uma olhadela.

Fahrenheit 451 (Fahrenheit 451)
O General Zod se choca contra Adonis Creed num futuro zoado em que a grande ameaça a humanidade são os livros. A premissa é genial graças a um dos reis da ficção-científica, Ray Bradbury, em cujo conto se baseia este filme, que já teve adaptação anterior. Mas, seja dito que apor adaptação, personagens são suprimidos e conceitos são modernizados para agradar as plateias, o que não é, necessariamente um ponto positivo para a produção, se o que se busca é a fidelidade a essência da história original. Mas, vá lá, o filme tem seus predicados, mesmo dentre essas adaptações - em certo momento, fica subentendido que o politicamente correto foi o grande motor para aquela realidade, em que a ofensa generalizada a tudo fez suprimir o pensamento, as ideias criativas, as iniciativas artísticas e culturais, sendo o livro o grande demônio a subverter as mentes desavisadas e sensíveis como um nervo exposto. O demônio que precisa ser destruído. E aí se segue cena após outra pilhas e pilhas de livros sendo incinerados como se fossem montanhas de drogas ou material pirateado. Interessante enquanto premissa, mas fica devendo no ritmo - faltou aquela verve de superprodução, pra por pra escanteio filmes congêneres.

O Mistério do Relógio na Parede (The House With a Clock In Its Walls)
Juventude e magia. Recordo com saudade quando esse mistura deu certo nas HQs com Os Livros da Magia, de Neil Gaiman. Essa obra, aliás, foi e permanece sendo apontada como aquela de onde surgiu Harry Potter, seja como inspiração deste, seja como plágio descarado. No meu ponto de vista, é uma obra superior aquela imaginada por J. K. Rowling - simplesmente porque Neil Gaiman é um escritor e um criador superiores a ela. Esse filme adapta um livro, veja só, que trata de magia e juventude, que põe um garoto diante das artes ocultas, e na iminência de digladiar-se contra um inimigo poderoso, e mais traquejado. Já viu isso antes? Ora, tivesse sido rodado em 1985, talvez fosse hoje um clássico; mas, não é o caso. O filme padece de uma enorme falta de ritmo, e acaba saindo da memória tão rapidamente quanto seus frames se sucederam diante dos olhos.

Cópias - De Volta a Vida (Replicas)
Keanu Reeves precisava de dinheiro? Alguém em Hollywood poderia ter-lhe dado sem que essa obra visse a luz do dia. O tal cientista que ele interpreta está tentando copiar os padrões neurais de humanos e pô-los dentro de cérebros eletrônicos, perpetuando assim a vida. Basicamente é um sujeito que não aceita a morte, e cujo mecanicismo aplicado a humanidade denuncia seu niilismo. Lá pelas tantas, viaja com a família e acaba num acidente que mata todo mundo menos ele. Liga pra seu amigo de laboratório, que trabalha com clonagem, e o coage a fazer cópias de seus entes queridos. Em seguida, copia as mentes destes e insere nos clones, que despertam para uma nova vida como se fosse a continuação da anterior, sem nenhum problema. Bem, não de todo, pois a esposa descobre logo que algo está errado, e que certas memórias lhe faltam. Pra piorar, o proprietário do conglomerado farmacêutico para o qual trabalha descobre o imbróglio todo e quer destruir as cópias e usar das descobertas da protagonista para faturar alto na industria bélica. É uma premissa a que faltou a injeção de muito dinheiro, e de um Keanu Reeves mais inspirado. Fosse uma superprodução milionária dirigida com mais estilo e seria um filmão. Ah, os (d)efeitos especiais são de um constrangimento bônus.

terça-feira, 9 de julho de 2019

Cinema em poucas linhas #2 (contém spoilers)

Prosseguindo com a lista do festival doméstico de cinema.

O Primeiro Homem (The First Man)
O drama familiar do astronauta Neil Armstrong tem como pano de fundo o projeto aeroespacial americano de chegar a Lua - ou seria o inverso? Ou a mesma cousa, afinal, a exploração espacial tem seus dramas, tão trágicos quanto a perda da filha do primeiro homem a pisar no satélite natural de nosso planeta. Armstrong é o sujeito durão, o típico americano que renega os próprios sentimentos, quase frio. A atuação de Ryan Gosling capta este aspecto perfeitamente, encarnando um homem quase desprovido de personalidade - frente ao carisma magnético de Buzz Aldrin, ele é quase um cogumelo. Isto é tão verdade que, Aldrin está muito mais inserido na cultura americana que seu companheiro - Buzz Lightyear deve seu nome ao astronauta, por exemplo. Armstrong não digere bem a morte da filha pequena, encontrando paz apenas quando pisa na Lua. O filme tem uma conformação quase documental por vezes; assisti-lo é agradável, mas a história talvez merecesse um tom épico que faria bem a narrativa.

A Pele Fria (Cold Skin)
Estranheza - é o que esse filme evoca. Em 1914, um oficial cartógrafo é designado a habitar uma ilha no Círculo Polar Ártico por um ano, substituindo seu antecessor na mesma função. O único outro habitante do local é um oficial faroleiro; o sujeito é arredio e parece padecer dos piores efeitos do isolamento prolongado. Na primeira noite do novato, sua casa é atacada por criaturas de feições anfíbias. Não lhe resta alternativa senão apelar ao auxílio do ermitão do farol, que a contragosto aceita o estranho, que em pouco tempo se dá conta que a situação é um cadinho mais complicada do que apenas lidar com sapos humanoides monstruosos. O faroleiro tem em seu poder uma fêmea destes seres, a quem trata com rispidez, embora mantenha relações sexuais com ela. Aos poucos o cartógrafo reconhece que aqueles seres são os habitantes originais da ilha, e ele e seu companheiro são os invasores. Mas, partir da ilha não será uma alternativa para o faroleiro. É um filme que causou-me estranheza por sua condução, tanto por sua narrativa. Mas acaba deixando uma lembrança viva na memória, talvez, por possuir um aspecto perturbador, em que o isolamento daqueles dois homens se refletem na psique do espectador, que antevê a morte de ambos.

Dumbo (Dumbo)
Saem os animais, entram os humanos. O ponto de vista da história é transferida nessa versão em live action da clássica animação Disney de 1941. E é este seu grande problema - a fim de apelar para uma visão realista, os animais perdem a fala e o protagonismo, entregando-a aos humanos que ganham personalidades rasas e, para certos personagens, cartunescas. A narrativa é a mesma acerca de um elefantinho que nasceu com orelhas enormes que o permitem voar, e as consequências disto. Mas, se antes a fábula fazia sentido numa animação que, por si só, é lúdica o suficiente para abranger a história, facilitando a suspensão da incredulidade do espectador, sua contraparte fílmica não é! O roteiro cria situações e faz que suas personagens tomem decisões ilógicas, infantis mesmo, o que não causa estranhamento no público infantil, mas soa canhestra e absurda para os adultos. É um filme de visual deslumbrante, roteiro capenga e atuações anódicas, com suas exceções, claro! Mais um pra lista de filmes de Tim Burton que não me dizem nada.

A Vida em Espera (Wakefield)
Brian Cranston encarna um canalha que, lá pelas tantas, depois de brigar com a esposa, resolve se isolar no sótão da garagem e lá viver incógnito, tornando-se uma espécie de mendigo doméstico, oculto aos olhos de todos, mas principalmente de sua família. É preciso uma auto-suficiência e uma canalhice ímpares para se tomar uma atitude destas - quando passa a observar o desespero da esposa com um indisfarçável prazer, pensei que fosse desistir, mas ele leva sua decisão às últimas consequências, passando algo em torno de um ano escondido. Claro, isto lhe serve para alcançar uma espécie de redenção íntima, em que reconhece que sua ranzinzice com as filhas e a estafa conjugal foram motivadas por suas próprias atitudes. Lá pelo final, diante da iminente perda em definitivo da esposa para um ex-namorado que retorna a vida dela, ele sai de seu isolamento e... nesse ponto minha esposa e eu ficamos apostando que atitude ele tomaria. Acabei ganhando, pois a coerência do canalha é pontual - ele ressurge sala de estar adentro como se nada tivesse acontecido. O que vem a partir daí fica por conta da especulação do espectador, pois o filme se encerra. É um belo estudo de personagem, um presente para Cranston exercitar seu talento inigualável. Pode-se até não gostar de história, mas não há como desviar o olhar de seu protagonista.

Homem-Aranha no Aranhaverso (Spider-Man: Into the Spider-verse)
Tudo junto e misturado - várias versões do Homem-Aranha se encontram nesta animação de feições não convencionais, que abocanhou um Oscar, entre vários outros prêmios. Esta ideia de universos paralelos sempre foi premissa mais explorada pelo universo DC nos quadrinhos, embora a Marvel também o tenha. Mas, quase sempre, quem lidava com os desdobramentos de realidade alternativas sempre foram os X-Men. O que, a certa altura, impedia o desavisado leitor que adquirisse uma edição dos mutantes de entender o que lia - era hermético graças a essa decisão burra dos editores de por futuros múltiplos e realidades alternativas no caminho de seus personagens, tornando tudo uma grande bagunça. Em grande parte, por conta disto, a animação não me atraiu, e a expectativa era nula ao assisti-la - e admito, tenho dificuldade em recordar do enredo. E sou fã do teioso. O que não tira as qualidades desta. Mas, pra mim, é esquecível.

Mentes Sombrias (The Darkest Minds)
Uma pandemia mata jovens e crianças, e os que sobrevivem ganham super-poderes; o governo acha por bem contê-los em espécie de campos de concentração. São classificados por um didático sistema de cores correspondente aos seus poderes. Os Laranjas e Vermelhos são mortos, por serem poderosos demais a incapazes de ser contidos. Mas, veja só que lá pelas tantas do filme, quando um grupo de Vermelhos surgem, tudo o que eles fazem é cuspir fogo - este é apenas um dos exemplos que me fez desanimar deste filme. Baseado em mais uma série de livros juvenis que fazem a cabeça da garotada, assim como Harry Potter fez a de algumas gerações anteriores, esse filme busca dar início a adaptação cinematográfica dos vários volumes da história. Suspeito que não terá uma continuação, mas é apenas minha visão da cousa toda. Genérico de Jogos Vorazes, Saga Crepúsculo, Série Divergente, Maze Runner, etc. Pra quem gosta, um prato cheio.

Cinema em poucas linhas #1 (contém spoilers)

Feriado prolongado, frio, cama, filmes e pipoca. Algumas breves linhas acerca dos filmes desta temporada doméstica de cinema.

Duas Rainhas (Mary Queen of Scots)
Está lá mais um título nacional infeliz, pois o filme é todo de Mary Stuart, rainha da Escócia. Mas a interpretação de Margot Robbie me chamou mais a atenção - a recriação de época é o espetáculo aqui, na abordagem de um estrato interessantíssimo da história das Ilhas Britânicas. Contudo, Mary Stuart é a protagonista, e como tal, canonizada por um roteiro que se esforça por dar-lhe uma nobreza moral, onde antes houve apenas jogo político. Comparado a Elizabeth, onde a monarca inglesa foi interpretada por Cate Blanchett, esse filme é uma abordagem inferior do período, e da história que busca retratar. Aliás, as primas jamais se encontraram em vida, sendo este acontecimento uma licença poética do filme.

Hereditário (Hereditary)
Filmes de terror me fazem rir, principalmente os que abordam Espíritos - e este é o caso aqui. Mas não veio o riso, apenas o aborrecimento. Toni Collette é uma escolha e um fan service por si só, afinal, seu primeiro papel de destaque no cinema foi como a mãe de um menino que via Espíritos (O Sexto Sentido). A escalação de Gabriel Byrne vai pelo mesmo caminho, já que em Estigmata ele teve de lidar com o capiroto, que na verdade era o Espírito de um padre. A mãe da personagem de Collette começa o filme morta, e lá pelo final descobre-se que a velha era uma evocadora de demônios, que pertencia a uma seita de adoradores do Diabo que resolvem evocar Paimon, um dos reis do Inferno. Como a família vai morrendo ao longo do filme, sobra apenas o garoto Peter, o casulo de carne pelo qual o monarca das profundezas veio manifestar-se na Terra. Pode-se elogiar e ver qualidades positivas na condução deste enredo, mas apenas serviu para me aborrecer.

Christopher Robin-Um Reencontro Inesquecível (Christopher Robin)
Quer começar um filme já sabendo o seu final? Este é o caso aqui. Faz recordar a Hook-A Volta do Capitão Gancho, onde Peter Pan cresce, torna-se um marido e pai ausente que só trabalha, e lá pelas tantas é arrastado ao seu passado para reaver sua essência. Mas, usar os personagens do universo do Ursinho Pooh criam um diferencial de sensibilidade que não havia em Hook, e não há em outros exemplares da mesma história, como O Mentiroso, Um Herói de Brinquedo, Meu Papai é Noel, etc. O filme é tão doce quanto o mel que Pooh consome, e essa glicose toda acerta em cheio o coração do espectador. Principalmente se as personagens fizeram parte da infância deste, como é meu caso. Adorável e fofo, não há como poupar esses adjetivos.

Shazam! (Shazam!)
Expectativa zero pra esse filme, e não é que me divertiu!?! Quem leu muito Shazam O Poder da Esperança, e O Reino do Amanhã, talvez esperasse uma abordagem mais séria do antes conhecido Capitão Marvel. Contudo, quem assim o fez desconhece ou não quis reconhecer que a personagem surgiu como uma imitação do Superman, e uma imitação bastante cartunesca e infantil. Suas histórias clássicas fizeram tremendo sucesso com a criançada por conta deste aspecto meio boboca da personagem, suas histórias meio panacas e uma galeria de vilões tão bizarra quanto a de Dick Tracy e Batman juntos! Esperar que um adolescente guindado a condição de adulto com superpoderes gerasse um filme sério é plausível, mas não seria Shazam. E Shazam já tem suas qualidades apenas por que sua protagonista não usa de seus poderes para dominar o mundo, preferindo descolar um dinheiro fácil pra comprar refrigerantes e chicletes. Shazam acaba sendo o filme mais à Marvel que a DC conseguiu fazer - e não é difícil ver ecos de Peter Parker em Billy Batson e sua contraparte adulta e atrapalhada. Gostei.

A Mula (The Mule)
Clint Eastwood possui hoje 89 anos de idade, e é uma lenda viva do cinema que não apenas continua atuando, como dirige seus próprios filmes. Desde há algumas décadas, suas qualidades como cineasta foram reconhecidas, e o sujeito que na década de 1970 não tinha mais que duas linhas de diálogo e só fazia atirar, tornou-se um talento monumental. A Mula é um de seus muitos filmes-testamento, onde questões de valores estão presentes nas entrelinhas do diálogo e nas ações das personagens. Earl Stone é representado magneticamente por Eastwood que, desprovido de sua persona bronca e ríspida, atua com a leveza de quem já tem muita quilometragem para se dar ao trabalho de provar algo a quem quer que seja. Em meio a uma série de pequenas crises cotidianas, a personagem é aliciado para transportar drogas de um ponto a outro da América em sua caminhonete, pensando no dinheiro fácil e abundante que dará resolução a tudo; o que de fato ocorre, até que os problemas comecem. É um filme cujo final se antevê, mas que o prazer está em acompanhar a trajetória da protagonista numa atividade arriscada, deixando o espectador na ponta da poltrona.

Bird box (Bird box)
A Netflix já se estabeleceu como uma produtora alternativa para cineastas que não encontram nos grandes estúdios a boa vontade necessária para com seus projetos. Bird box é um desses casos. Contudo, se o carisma de Sandra Bullock não é suficiente para carregar o filme nas costas - o é em parte - a tensão subsequente a um dos fins de mundo mais criativos que vi, alimenta a narrativa até sua conclusão não muito inspirada, mas ao mesmo tempo perfeita e única até então no andamento da narrativa do filme. Criaturas de origem desconhecida surgem na planeta, e a mera visão das mesmas causa loucura e auto-destruição fatal. Em meio ao suicídio em massa que se segue, a personagem de Sandra se vê grávida e reclusa numa casa com várias outras figuras que foram pegas no calor dos acontecimentos. Daí pro final, morre quase todo mundo e ela se vê tendo de conduzir duas crianças por um rio bravio até um suposto santuário. Claro, algumas incongruências lógicas saltam aos olhos - se fica claro, lá pelas tantas, que os pássaros se agitam diante da presença próxima das criaturas, por que não ficar sem as vendas quando os bichinhos estão calmos? As vendas acabam sendo exaustivamente usadas como acessório de cena, contradizendo a lógica das ações humanas diante de uma perspectiva destas. De resto, é um filme genérico de fim do mundo, que se abrilhanta pela presença estelar de Sandra.

Capitã Marvel (Captain Marvel)
A agenda atual é empoderar minorias - apenas esqueceram de alertar as mulheres que elas são mais numerosas que os homens. No rastro de Mulher-Maravilha e Pantera Negra, Carol Danvers chega aos cinemas anabolizada para enfrentar Thanos em Vingadores Ultimato (o que de fato não ocorre como esperado, afinal). Mas quem se importa? O filme é superestimado pelos fãs do UCM, assim como Homem-Formiga ou Dr. Estranho, ou ainda Pantera Negra, mas acaba sendo ancorado pela expectativa de ver a protagonista em pleno uso de seus poderes (ilustrando seu empoderamento), o que decepciona uma enormidade. Não apenas pela inexperiência da personagem em usar destes, como pelo modo que são representados pelos efeitos especiais. Carol Danvers, no mais, é uma personagem endurecida a quem as emoções e suas demonstrações são repreendidas, como se estas fossem a chave para sua essência e para a essência feminina, que pode trazer a paz mundial, a cura do câncer e a extinção de todo o mal da Terra. Bem, não é! Mas, o fato de ser um ator a reprimi-la, é a alegoria mais clara do feminismo engajado do filme. Não me desagrada que um filme tenha suas bandeiras, desde que seja bem conduzido e tenha uma boa história para contar, o que não é o caso aqui. Capitã Marvel poderia ter sido muito melhor. Porém, parece contentar-se em ser mais um degrau na longa escada do UCM em direção ao sucesso.