terça-feira, 26 de julho de 2016

O curso que não saiu do papel

Horizonte de Eventos foi oficialmente lançado aqui em terras jauenses no dia 15 de dezembro último - conseqüência direta, fui procurado ao longo dos meses que se seguiram por muitos interessados em ter aulas de desenho. Desde o princípio acreditei que Horizonte de Eventos se destacaria mais por seu texto que por sua arte, mas eis que uma HQ é em essência uma história contada por imagens, e uma imagem vale mais que mil palavras, já sustenta o adágio popular. Antes mesmo de ser tão assediado montei um projeto de aulas em parceria com a Secretaria de Cultura local. Mas, os caprichos comuns a política e as cousas públicas no Brasil resultaram numa espera indecente pelos acertos burocráticos, e o início, de fato, deste curso. Diante da iminência do pleito municipal, tal projeto, bem como muitos outros, acabou numa gaveta poeirenta de uma mesa qualquer do patrimônio móvel municipal. Confesso que não fiz caso por isto - desenhar sempre se mostrou um evento fisiológico, não muito diverso de comer, respirar ou piscar os olhos - eis, portanto, a manifestação de um fenômeno natural, desvinculado de qualquer conhecimento da tecnicidade do traço. Dar aulas de desenho sempre se mostrou um desafio, o desafio de traduzir em palavras o piscar de olhos, a respiração, a fome que leva a comer. Difícil? Para minha altivez, sim! O que levou-me a um misto de lisonja e hesitação diante da possibilidade de prosseguir ensinando - o Atelier Garabato não se mostrou uma alternativa viável no nascedouro do novo ano, e ter estado ali para contemplar alguns poucos interessados com o que sei, resultou em momentos positivos, tanto quanto negativos, em igual medida. O diferencial deste novo projeto, além da gratuidade bancada pela parceria com a iniciativa pública, estava em ensinar a desenhar sem referências, ou seja, de imaginação. Algo ainda mais difícil, porque parte desta habilidade é decorrente de experiência de vida, da maturidade do ofício. Em decorrência de tais impeditivos, e para honrar um compromisso não oficial com aqueles que me procuraram interessados em aprofundar-se no conhecimento do desenho, dedicarei uma postagem semanal ao tema. Não é uma aula nos moldes formais, mas pretendo inserir causos e dicas interessantes que podem ser muito úteis para a prática do desenho, e do desenho de imaginação. Até breve!
Adendo em 10 de setembro de 2016 - bem, os afazeres cotidianos se mostraram um impeditivo real para tocar adiante este projeto de criar postagens semanais como pretendido até então. Portanto, estes virão, mas sem uma periodicidade planejada; estarão aos sabores da sazonalidade do dia-a-dia! Abraços.
Adendo a 27 de janeiro de 2019 - a invulgar falta de popularidade deste blog poupou-me de qualquer sorte de cobrança quanto as postagens relativas a esta empreitada. A bem da verdade, qualquer um pode aprender a desenhar por seus próprios esforços. Tendo em vista os modernos meios de se obter o conhecimento técnico para tanto, em tutoriais do Youtube por exemplo, este desejo se torna ainda de mais fácil realização. Não descartei completamente a possibilidade de dar aulas - o futuro é uma incógnita. Abraços (como se alguém lesse).

domingo, 3 de julho de 2016

Como em 1978...

Foi uma escolha pessoal não criar longos textos neste espaço, afinal, é apenas uma vitrine para o meu trabalho como desenhista, e não o blog de um crítico - seja lá do que for. Mas, se parte de mim chegou até este ponto é porque muitas influências foram absorvidas desde sempre, e Superman é inescapável em sua encarnação na pele de Christopher Reeve. Mais ainda ao revê-lo nos dias atuais, e notar que mantém intacta sua força e magia. Esta visão da personagem e seu mundo, criada por Richard Donner, é tão onipresente que as duas tentativas de relançá-lo no cinema resultaram em remakes disfarçados de novas iniciativas. Bryan Singer em 2006 com Superman o Retorno fez uma releitura daquele universo de 1978, contando a mesma história de um Lex Luthor que quer dar um golpe imobiliário, matando o Superman como bônus. Até a trilha sonora composta por John Williams, que tornou-se um hino da personagem, foi utilizada no filme. Não funcionou com o grande público, menos ainda com os fãs. Em 2013, o diretor farsante Zack Snyder lançou sua versão do Superman em Homem de Aço. Mais do que alterações pontuais no sentido de atualizar o último filho de Krypton para as novas plateias, a idéia aqui é dar início a um universo cinematográfico compartilhado, a exemplo do que a Marvel Studios vem fazendo desde 2008. Mas, a comparação com Superman II A Aventura Continua de 1980, é inescapável, já que temos o Superman em confronto com seus conterrâneos liderados pelo ditatorial General Zod. Espanta que ninguém tenha buscado dar vida a Brainiac, Metallo, Parasita ou outro dos muitos inimigos do universo em quadrinhos do Superman. Novamente a sombra dos filmes com Christopher Reeve se impõe, e eclipsa a nova versão, principalmente quando a mudança maior não é a trilha sonora, ou o protagonista que dispensa a cueca vermelha, mas o ethos do Superman. Ethos possui diversos significados na origem, mas para o teatro é o conjunto de características que torna um personagem o que ele é, e o Superman de Snyder não é o Superman, e o problema vem de berço, do berço humano para ser mais claro - Jonathan Kent é o martelo para quem o filho adotivo é um prego a ser afundado na areia movediça da sua própria insegurança paterna. Para ele, o filho tem uma missão, que se cumprirá num futuro hipotético que jamais chega; qualquer manifestação precoce das habilidades do jovem Clark Kent é rechaçada com violência - não há conselho sábio, apenas ressalvas que flagram a insegurança e o medo. Resultam num Superman novato, inseguro, incapaz de alcançar um consenso maduro acerca de quem é, e de como deve agir. Comparadas as mesmas situações do filme de 1980 e deste de 2013, o Superman de agora precisa forçosamente transformar Metrópolis num amontoado de escombros sobre os cadáveres de seus conterrâneos kryptonianos, a fim de rivalizar com a destruição de Os Vingadores, lançado um ano antes pela Marvel. Levar seus inimigos a um local desabitado para evitar a morte de algum desavisado pego no fogo cruzado de socos supersônicos é um detalhe, o detalhe fatal de mata o personagem, e o seu cadáver trajando azul e vermelho se torna uma locomotiva indestrutível de imatura paixão e raiva - se Zod tivesse as feições de Jonathan Kent o Superman teria destruído o planeta inteiro. Porém, o papai terrestre de Kal-el foi engolido por um tornado, diante do filho superpoderoso que nada fez - exemplo de pai que imprime no filho a insegurança com as tintas fortes da culpa. É um Superman que convence diante da imagem indelével de Christopher Reeve, que a seu turno atuou de maneira diversa, evitando a destruição de Metrópolis? Para deixar claro ao público que não se trata mesmo do Superman, Zod tem seu pescoço partido por este numa cena que pareceu confirmar que os roteiristas jamais compreenderam o material com o qual estavam lidando. O que resta? Um Superman novato, o café-com-leite da turma, o sujeito de quem se escarnece das idéias e da falta de humor próprio, o ingenuo originado de uma sucessão de casamentos consanguíneos que demonstra um certo atraso mental, um caipira todo força e nenhum cérebro - é esse o personagem que chega a Batman vs Superman A Origem da Justiça. Tanto mais ele não convence na versão estendida do filme, em que há um Clark Kent seguro na persona de jornalista investigativo frente a um Superman inseguro que apanha da opinião pública, apanha do Batman, apanha do Lex Luthor, apanha do Apocalipse e acaba morto por este no final. Crítica e público, com toda razão, espinafraram o filme. O Batman aqui apresentado padece do mesmo problema de descaracterização, e o detetive frio e cerebral dá lugar a algo semelhante ao Superman, todo raiva e nenhuma capacidade racional. Não fosse a aparição relâmpago da Mulher Maravilha, esta também seria qualquer cousa, menos a Diana Prince que conhecemos. Já o Lex Luthor de Jesse Eisenberg faz recordar Heath Ledger ao interpretar o Coringa, até o momento em que é preso e passa a se comportar com um Renfield de Drácula, apenas um arauto louco de Darkside, ou antes do sogro deste, o Lobo da Estepe, já escolhido vilão do vindouro filme da Liga da Justiça que, admira, terá direção de Zack Snyder. O que se verá? Nada que faça lembrar a magia de Christopher Reeve voando em 1978, certamente. Não era minha intenção um texto tão longo, mas aconteceu, e aconteceu por conta da importância do Superman para minha formação como desenhista e quadrinista; mas não apenas ele, como todo o universo donde está inserido. O amadorismo e a falta de reconhecimento dos que trabalham com tão diverso e rico material resulta nas imensas críticas que se seguiram ao lançamento do segundo filme do universo compartilhado da DC, e no lamento dos fãs cujas expectativas são frustradas após anos de espera, imaginando que tanto dinheiro seria melhor utilizado por mais competentes produtores e diretores. Quem, na condição de fã e quadrinista não imagina um começo mais promissor para o universo DC no cinema? O que se viu até o momento, destarte, alcança o status de reação a Marvel Studios - apenas isto pode explicar que se comprometa o ethos das personagens com tamanha sem cerimônia, na pressa de compensar anos de inércia, apenas observando, filme após outro, a bilheteria da concorrência pulverizar a sua própria. Que a Warner e a DC despertem para o que quer o público, do qual faz parte os fãs que há anos acompanham tais personagens. Abraços.