domingo, 12 de janeiro de 2020

Cinema em poucas linhas #6

Coringa
Todos que se propuseram a tratar deste filme já o fizeram, de tal conta que parece redundante afirmar o óbvio - é um bom filme? Sem dúvida! Mas, é um daqueles filmes que lhe deixam pensando um cadinho mais depois da sessão. Chega a ser surpreendente que se trata de um produto do mesmo estúdio que entregou Liga da Justiça, principalmente por se tratar de uma personagem pertencente ao mesmo universo. O Batman de Affleck encontraria o A. Fleck de Joaquin Phoenix? Dificilmente, mas em se tratando da Warner/DC não duvido de nada. A história conta a escalada de loucura do sujeito que daria no Coringa, aqui um doente mental que, de sofrimento em sofrimento, de delírio em delírio, tem seu momento de catarse e felicidade na violência e no abraço voluntário a insanidade. Alguns profetas do apocalipse prescreveram tratar-se de um filme perigoso, que incitaria os lunáticos de plantão ao assassínio e a revolta social; outros viram na figura de Arthur Fleck a epítome do outsider, do nerd perdedor que aprecia filmes antigos e ainda mora com a mãe. Sim, alguns idiotas se identificaram com a personagem, e se revoltaram quando ele se torna um vilão, acusando o diretor de fascista e outros adjetivos menos elogiosos. Restou a estes apontar que não se trata do Coringa, mas aí já não o era desde O Cavaleiro das Trevas. Nos quadrinhos, sabiamente a origem do Coringa fora sempre envolta em nebulosas nuvens de mistério, surgindo diversas versões, cada qual conveniente ao momento. O Coringa de Todd Phillips não é melhor nem pior, mas é o que fala mais agudamente ao zeitgeist atual, e aí está sua genialidade.

Rambo 5
Em ano que viu a estréia do terceiro e insatisfatório capítulo da saga de John Wick, Rambo tornou-se anacrônico em sua quinta aparição cinematográfica - quem gostou do elegante matador interpretado por Keanu Reeves detestou ver Stallone decepando membros, e vice-versa. Fato é que o soldado traumatizado, veterano da Guerra do Vietnã, poucas vezes permitiu uma leitura senão maniqueísta de sua trajetória - porque seria diferente agora? No ocaso da vida, Rambo emendou os cacos da própria existência no mais próximo da normalidade que conseguiu, até que a garota que tomou como filha resolve desvendar a própria origem e, agindo inconsequentemente como todo adolescente, enfia-se em uma viagem fatal ao México. Rambo não ia deixar por menos e começa a matança. Rápido e cortante como o facão que sempre portou, Rambo 5 não se perde em dar profundidade ao que não tem, uma parábola ao caráter do pai da personagem de Yvette Monreal, que recusou-a como filha por que sim, e nada mais. Não há espaço para relativização, para discutir o caráter deste ou daquele. Para quem não esperava mais do que isto da personagem de Rambo, o filme é uma grande despedida, com sabor agridoce - ele morre no final? Cada um que interprete como bem entender, mas penso que não - ele até gostaria, mas persiste, um incômodo para si mesmo e para o mundo que tornou-se-lhe ainda mais hostil.

Era uma Vez em Hollywood
Medonho! Gostaria, sinceramente, de ter outro parecer a dar acerca deste filme, mas não encontro outro melhor. Tarantino, a meu ver, é um diretor irregular - apenas dois de seus filmes são bons, bons ao ponto de serem geniais: Pulp Fiction e Bastardos Inglórios! Todo o restante é, senão mediano, um amontoado horroroso de cenas sem sentido que se justapõe para justificar um plot tolo. Em Bastardos Inglórios, em uma espécie de tarantinoverso, Hitler é morto de maneira diversa daquela registrada pela historiografia oficial - ficou lindo, genial. Em Era uma Vez em Hollywood, a mesma lógica se impõe, e Tarantino resolve homenagear o cinema, alterando o final trágico da atriz Sharon Tate, que foi morta pela família Mason em 1969. Para tanto, ele inventa dois personagens improváveis, que aos trancos e barrancos acabam por impedir a tragédia que ocorreu na vida real. Todo o encadeamento tão bem urdido para contar uma história que se passou na II Grande Guerra Mundial, aqui resulta numa espécie de masturbação acerca das vidas patéticas de um ator e seu dublê na busca por relevância profissional - e dá-lhe cena irrelevante, tomadas longas, resultando num ritmo moroso que prescreve um desfecho violento que, nem por isso, justifica tudo o que fora visto desde o primeiro minuto da projeção. Aquela sensação de tempo perdido é inescapável. Uma obra lamentável cuja expectativa despertada não corresponde ao produto final. Quero meu dinheiro de volta.

O Irlandês
Hollywood padece de imaturidade juvenil como nunca antes - super-heróis e animações dominam as telas grandes, enquanto o grande pulo do gato para os contadores de boas histórias está na TV. É uma grande inversão do que existia no passado, em que o cinema era o altar máximo almejado. Netflix não é apenas TV, é TV por streaming, ou seja, o espectador escolhe sua programação. Para tanto, é preciso um catálogo vasto e variado de conteúdo, e O Irlandês é um de seus produtos exclusivos, de pedigree próprio, com a assinatura do genial Martin Scorsese. Conta a história, sem pressa, de um capanga da máfia que está sempre pronto a sujar as mãos para seus chefes - acaba prestando serviços para Jimmy Hoffa, supremo líder sindical dos caminhoneiros americanos, de quem se torna amigo. Entretanto, vê-se obrigado a matá-lo. Basicamente a história revela uma das muitas versões para o desaparecimento lendário de uma figura mítica da história americana, um homem que concentrou muito poder em si mesmo, e acabou incomodando muita gente perigosa. O filme reúne uma trinca sem igual de protagonistas - Robert De Niro encontrou o papel perfeito para manter a carranca que vem sustentando desde há alguns anos, não parecendo ser um grande desafio interpretativo dar vida a esta matador da máfia; Al Pacino sai-se melhor, mas Joe Pesci é a grande surpresa. Conhecido por uma veia interpretativa histriônica, aqui é um vulcão adormecido, cuja calma aparente esconde rios de lava prontos a aflorar a qualquer minuto; é uma pena não estar atuando com mais frequência. Este filme é já um clássico desde o berço. Imperdível.

Ad Astra
Resumidamente - um sujeito precisa alcançar os confins mais distantes do sistema solar conhecido para compreender que seu pai é um merda! Pronto, eis o filme. De alguns grandes filmes dedicados a explorar a temática espacial a surgirem nos últimos anos, devoto algum gostar apenas a Gravidade, aquele em que Sandra Bullock precisa se virar sozinha pra deixar a órbita geoestacionária e voltar a Terra, de preferência em segurança. Interestelar é um porre de tão pretensioso, e tem uma historinha boba que só; O Primeiro Homem poderia bem ser um docudrama, mas está longe de empolgar. Vida, que nem é tão grande assim, mas tem um elenco estelar, é uma releitura desnecessária de Alien. Perdido em Marte não se decide entre ser uma aventura, uma comédia ou um drama, mas até que é redondinho. Brad Pitt encerra 2019 com dois filmes ruins e ambiciosos, o que não significa nada para ele, já que tascou uma indicação ao Oscar por Era uma Vez em Hollywood. Talvez tivesse vontade de ter uma aventura espacial para chamar de sua, mas não há o que justifique a existência de Ad Astra - os velhos clichês estão lá, e o andamento lento que se propõe a dar uma ideia das grandes distâncias do sistema solar empaca o filme que não chega a lugar nenhum - o sujeito quer chegar ao seu pai para encontrar paz de espírito. Ele consegue, mas não do modo esperado - o velho astronauta é obcecado com o espaço e com a busca por vida inteligente, e ele não chegou tão longe para deixar seu filho o impedir de morrer tentando. Cada qual consegue o que quer, mas precisava ir tão longe pra tanto? Filme besta...