domingo, 3 de julho de 2016

Como em 1978...

Foi uma escolha pessoal não criar longos textos neste espaço, afinal, é apenas uma vitrine para o meu trabalho como desenhista, e não o blog de um crítico - seja lá do que for. Mas, se parte de mim chegou até este ponto é porque muitas influências foram absorvidas desde sempre, e Superman é inescapável em sua encarnação na pele de Christopher Reeve. Mais ainda ao revê-lo nos dias atuais, e notar que mantém intacta sua força e magia. Esta visão da personagem e seu mundo, criada por Richard Donner, é tão onipresente que as duas tentativas de relançá-lo no cinema resultaram em remakes disfarçados de novas iniciativas. Bryan Singer em 2006 com Superman o Retorno fez uma releitura daquele universo de 1978, contando a mesma história de um Lex Luthor que quer dar um golpe imobiliário, matando o Superman como bônus. Até a trilha sonora composta por John Williams, que tornou-se um hino da personagem, foi utilizada no filme. Não funcionou com o grande público, menos ainda com os fãs. Em 2013, o diretor farsante Zack Snyder lançou sua versão do Superman em Homem de Aço. Mais do que alterações pontuais no sentido de atualizar o último filho de Krypton para as novas plateias, a idéia aqui é dar início a um universo cinematográfico compartilhado, a exemplo do que a Marvel Studios vem fazendo desde 2008. Mas, a comparação com Superman II A Aventura Continua de 1980, é inescapável, já que temos o Superman em confronto com seus conterrâneos liderados pelo ditatorial General Zod. Espanta que ninguém tenha buscado dar vida a Brainiac, Metallo, Parasita ou outro dos muitos inimigos do universo em quadrinhos do Superman. Novamente a sombra dos filmes com Christopher Reeve se impõe, e eclipsa a nova versão, principalmente quando a mudança maior não é a trilha sonora, ou o protagonista que dispensa a cueca vermelha, mas o ethos do Superman. Ethos possui diversos significados na origem, mas para o teatro é o conjunto de características que torna um personagem o que ele é, e o Superman de Snyder não é o Superman, e o problema vem de berço, do berço humano para ser mais claro - Jonathan Kent é o martelo para quem o filho adotivo é um prego a ser afundado na areia movediça da sua própria insegurança paterna. Para ele, o filho tem uma missão, que se cumprirá num futuro hipotético que jamais chega; qualquer manifestação precoce das habilidades do jovem Clark Kent é rechaçada com violência - não há conselho sábio, apenas ressalvas que flagram a insegurança e o medo. Resultam num Superman novato, inseguro, incapaz de alcançar um consenso maduro acerca de quem é, e de como deve agir. Comparadas as mesmas situações do filme de 1980 e deste de 2013, o Superman de agora precisa forçosamente transformar Metrópolis num amontoado de escombros sobre os cadáveres de seus conterrâneos kryptonianos, a fim de rivalizar com a destruição de Os Vingadores, lançado um ano antes pela Marvel. Levar seus inimigos a um local desabitado para evitar a morte de algum desavisado pego no fogo cruzado de socos supersônicos é um detalhe, o detalhe fatal de mata o personagem, e o seu cadáver trajando azul e vermelho se torna uma locomotiva indestrutível de imatura paixão e raiva - se Zod tivesse as feições de Jonathan Kent o Superman teria destruído o planeta inteiro. Porém, o papai terrestre de Kal-el foi engolido por um tornado, diante do filho superpoderoso que nada fez - exemplo de pai que imprime no filho a insegurança com as tintas fortes da culpa. É um Superman que convence diante da imagem indelével de Christopher Reeve, que a seu turno atuou de maneira diversa, evitando a destruição de Metrópolis? Para deixar claro ao público que não se trata mesmo do Superman, Zod tem seu pescoço partido por este numa cena que pareceu confirmar que os roteiristas jamais compreenderam o material com o qual estavam lidando. O que resta? Um Superman novato, o café-com-leite da turma, o sujeito de quem se escarnece das idéias e da falta de humor próprio, o ingenuo originado de uma sucessão de casamentos consanguíneos que demonstra um certo atraso mental, um caipira todo força e nenhum cérebro - é esse o personagem que chega a Batman vs Superman A Origem da Justiça. Tanto mais ele não convence na versão estendida do filme, em que há um Clark Kent seguro na persona de jornalista investigativo frente a um Superman inseguro que apanha da opinião pública, apanha do Batman, apanha do Lex Luthor, apanha do Apocalipse e acaba morto por este no final. Crítica e público, com toda razão, espinafraram o filme. O Batman aqui apresentado padece do mesmo problema de descaracterização, e o detetive frio e cerebral dá lugar a algo semelhante ao Superman, todo raiva e nenhuma capacidade racional. Não fosse a aparição relâmpago da Mulher Maravilha, esta também seria qualquer cousa, menos a Diana Prince que conhecemos. Já o Lex Luthor de Jesse Eisenberg faz recordar Heath Ledger ao interpretar o Coringa, até o momento em que é preso e passa a se comportar com um Renfield de Drácula, apenas um arauto louco de Darkside, ou antes do sogro deste, o Lobo da Estepe, já escolhido vilão do vindouro filme da Liga da Justiça que, admira, terá direção de Zack Snyder. O que se verá? Nada que faça lembrar a magia de Christopher Reeve voando em 1978, certamente. Não era minha intenção um texto tão longo, mas aconteceu, e aconteceu por conta da importância do Superman para minha formação como desenhista e quadrinista; mas não apenas ele, como todo o universo donde está inserido. O amadorismo e a falta de reconhecimento dos que trabalham com tão diverso e rico material resulta nas imensas críticas que se seguiram ao lançamento do segundo filme do universo compartilhado da DC, e no lamento dos fãs cujas expectativas são frustradas após anos de espera, imaginando que tanto dinheiro seria melhor utilizado por mais competentes produtores e diretores. Quem, na condição de fã e quadrinista não imagina um começo mais promissor para o universo DC no cinema? O que se viu até o momento, destarte, alcança o status de reação a Marvel Studios - apenas isto pode explicar que se comprometa o ethos das personagens com tamanha sem cerimônia, na pressa de compensar anos de inércia, apenas observando, filme após outro, a bilheteria da concorrência pulverizar a sua própria. Que a Warner e a DC despertem para o que quer o público, do qual faz parte os fãs que há anos acompanham tais personagens. Abraços.

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